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Aprenda a gostar de vinhos fortificados
Somos o país dos quatro vinhos generosos, o país que se celebrizou por conseguir produzir quatro vinhos fortificados num território tão pequeno, quatro vinhos únicos e sem paralelo internacional.

Quatro vinhos que padecem de sortes diferentes e de reconhecimento diferente, quatro vinhos que respondem pelos nomes Porto, Madeira, Moscatel e Carcavelos. Se os dois primeiros se converteram há muito em vedetas do mundo, conseguindo elevar-se à categoria ímpar dos melhores vinhos do mundo, os dois últimos vivem conjunturas e fortunas bem distintas entre si e em relação ao vinho do Porto e vinho da Madeira.

Nenhum dos dois, Moscatel e Carcavelos, é verdadeiramente reconhecido ou cobiçado fora de fronteiras. Infelizmente para a região, uma das mais antigas de Portugal, podemos mesmo chegar ao ponto doloroso de afirmar que o Carcavelos nem sequer é popular ou conhecido dentro de fronteiras, nem mesmo em Lisboa, de onde é natural. Se o Moscatel de Setúbal e Favaios é um fenómeno puramente interno, onde gozam de popularidade crescente, o Carcavelos continua não só a ser um eterno desconhecido como um vinho quase virtual, tendo em conta a produção tão diminuta. Não fora o empenho muito meritório da Câmara Municipal de Oeiras e da Estação Agronómica de Oeiras e este vinho histórico já teria muito provavelmente desaparecido do mapa para sempre. É bom ver e saber que os organismos públicos também sabem defender o património nacional.

Seja no mercado nacional ou internacional, sejam os vinhos tão conhecidos como o Porto ou o Madeira ou mais enigmáticos como o Moscatel ou o Carcavelos, a verdade é que os vinhos generosos foram e continuam a ser os principais responsáveis por colocar o nome de Portugal no mapa mundial do vinho. Apesar desta realidade, apesar da fama e do proveito destes vinhos, apesar da sua inegável qualidade e personalidade, continua a ser uma raridade os portugueses que se entregam ao prazer dos vinhos generosos. Apesar de contarmos com alguns dos melhores vinhos fortificados do mundo, continuamos a conhecê-los mal, continuamos a não os compreender, continuamos a dedicar-lhes pouca atenção e pouco investimento pessoal e material.

Sim, o consumo nacional de vinho do Porto é relativamente generoso em volume mas infelizmente nem sempre está informado e frequentemente é pouco exigente. Sim, o consumo nacional de vinho da Madeira, ilha da Madeira incluída, é pequeno, pouco conhecedor e pouco atento ao renascimento mediático dos vinhos da Madeira. Sim, o aumento de consumo de Moscatel é mais que evidente e apresenta números opulentos, mas continua a ser pouco conhecedor e pouco atento ao segmento superior. Sim, o Carcavelos continua a ser ignorado, quase virtual... e dificilmente poderá sair da condição de nicho de mercado.

Mesmo quando os volumes de consumo são elevados, como é o caso do vinho do Porto e do Moscatel, a maioria dos consumidores continua presa aos nomes conhecidos, às marcas de sempre, sentido uma enorme relutância em sair da sua zona de conforto. Mesmo quando falamos de vinhos que todos conhecemos, caso do vinho do Porto e do Moscatel, poucos, muito poucos, sabem distinguir categorias, percebem a diversidade entre os diferentes vinhos expostos nas prateleiras de supermercados ou garrafeiras, sentem coragem para aventurar-se em vinhos mais caros quando sabem que os vinhos mais baratos que têm comprado e provado têm proporcionado experiências simplesmente medianas. Quem se limitou a provar os vinhos do Porto, Madeira ou Moscatel mais baratos e presentes na distribuição moderna, os vinhos de combate que são propostos a preços também eles de ataque, preços que com frequência se situam abaixo dos quatro ou cinco euros, poderá ter razão para hesitar em aventurar-se nas categorias superiores.

Seria importante encontrar vinhos que se situassem num patamar intermédio, vinhos que conseguissem dar uma imagem já muito clara do que são as categorias superiores de Porto, Madeira e Moscatel, vinhos que conseguissem aliar um preço comedido a uma qualidade muito respeitável. Vinhos que servissem de porta de entrada para as categorias superiores, que permitissem associar qualidade e preço na mesma equação. A boa notícia é que estes vinhos existem e estão disponíveis em qualquer uma destas famílias, Porto Madeira e Moscatel. A lista não será seguramente exaustiva mas poderá funcionar como ajuda preciosa na exploração do mundo fascinante que os vinhos fortificados representam.

O vinho do Porto pode ser complexo e por vezes leva algum tempo até ser entendido na sua plenitude. Uma das melhores formas de se iniciar nessa descoberta é através dos Ruby, um estilo mais frutado e poderoso que é superiormente representado por dois vinhos, o Fonseca Bin 27 e o Graham's Six Grapes. Os dois simbolizam aquelas que serão duas das melhores relações qualidade/preço do sector, vinhos intensos, cheios, elegantes e indiciadores do que esperar nos melhores vinhos do Porto.

O vinho da Madeira dispersa-se por vários patamares de doçura, desde os vinhos mais secos aos mais ricos e doces. Numa fase inicial, os vinhos doces são mais fáceis e mais convidativos e por isso deixe-se tentar pelos vinhos Blandy's Alvada ou Barbeito VB, muito provavelmente os mais adequados para essa iniciação. O primeiro é um lote das castas Boal e Malvasia, as duas mais doces, enquanto o segundo é um lote das castas Verdelho e Boal, num estilo igualmente doce mas mais acerado e refrescado.

De tanta doçura, o Moscatel pode tornar-se enjoativo e demasiado meloso. Por isso vale a pena investigar o Alambre da José Maria da Fonseca, um vinho proposto a um preço notável para a qualidade que oferece. A Bacalhôa oferece o Bacalhôa Moscatel de Setúbal, um belíssimo Moscatel que faz maravilhas na introdução ao estilo. Não deixe, no entanto, de olhar igualmente para Norte e experimente os Favaios Colheitas que têm melhorado substancialmente ao longo da última década.

 

 

Fonte: Público / Rui Falcão