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China. “O ‘Porto’ é o único vinho português conhecido, mas não sabemos bebê-lo”
A China está a ‘acordar’ para o mundo dos vinhos, mas franceses e italianos ainda dominam. Portugal já vende 14,2 milhões e o potencial é imenso

A Interwine, a feira internacional de vinhos e bebidas espirituosas de Guangzhou, na China, quer promover o Dia de Portugal na próxima edição do certame, em novembro. E desafiou já o Estado a fazer-se representar pelo Presidente da República ou pelo primeiro-ministro. O mercado chinês representa 14,2 milhões de euros nas exportações portuguesas de vinho, mas é uma aposta crescente dada a necessidade das empresas de diversificarem mercados e ‘fugirem' das anémicas economias europeias.  

Mas o que sabem os chineses sobre Pu Tao Ya [Portugal] e os vinhos portugueses? "O ‘Porto' é o único vinho português conhecido, mas não se sabe como bebê-lo!", diz um dos principais importadores da província de Guangdong, que em 2015, liderou o consumo de vinho importado, engarrafado, na China.  

 "Vinho, para os chineses, é sinónimo de França.

Há muito tempo que os franceses apostaram na China e criaram aqui uma imagem de qualidade. Enquanto que há poucas empresas portuguesas a virem à China promover os seus vinhos e os importadores e distribuidores chineses não saem de cá", afirma Steffany Zhang, da Guangzhou Anjubao Wine & Spirits.

O Dinheiro Vivo falou com Steffany em plena Interwine e o seu era, indubitavelmente, um dos stands com mais visitantes. Steffany distribuiu quase 10 mil garrafas de vinho Verde gratuitamente a todos os que fizeram o download da app da sua loja virtual, a Jiu TaoTao, devidamente acompanhadas de um voucher de 50 yuan's para desconto numa compra online. Steffany Zhang é uma exceção no sector. A sua vida divide-se entre Toronto, onde estudou e passa grande parte do ano, e Cantão.

A empresa de família, a Anjubao, é a líder no país no segmento de equipamentos de eletrónica e segurança, mas Steffany decidiu dedicar-se à importação de vinhos há um ano. "Fui a Portugal, ao casamento de um amigo, e levaram-nos a uma prova de vinhos. Não sabia nada de vinhos, mas tudo o que provei me pareceu infinitamente melhor do que o que bebia na China. E achei que era um mundo tão elegante e tão fashion que decidi que queria ajudar a mudar o mercado e a trazer esse glamour para a China, importando vinhos de grande qualidade diretamente dos produtores", explica. A primeira compra que fez foi um contentor de vinho do Porto Barros.

Hoje, já trabalha com franceses, alemães, australianos, espanhóis e italianos, bem como com produtores dos Verdes, Douro, Dão, Bairrada e Alentejo. E garante que quem prova os portugueses, gosta. "Não é por serem baratos, vendemo-los mais caros do que os australianos ou espanhóis", garante. O problema está numa certa diferença cultural. "Nós não vendemos vinho, vendemos histórias e os vinhos portugueses têm imensos prémios em concursos internacionais e não dão isso a conhecer", diz.

Já a Oriental Pearl só trabalha com a Casa Ermelinda Freitas. E por insistência de Joana Freitas, a mais nova do ‘clã' Freitas. "Gosto muito de trabalhar com eles, são muito eficientes", diz o diretor geral da Oriental Pearl, Ming Sze, sublinhando que são vinhos "muito aromáticos" e pelos quais o consumidor "está disponível para pagar". Começou por comprar um vinho, hoje já compra seis diferentes. Sempre da mesma Casa.

"Devagarinho se vai fazendo o mercado para os vinhos portugueses", promete Ming Sze. "É preciso perceber que o mercado não é assim tão grande, porque os chineses não conhecem o vinho. E 15% do vinho que se vende na China nem vinho é. É preciso ensinar as pessoas o que é, como se prova e o que se sente.

Os jovens estão a consumir, crescentemente, vinho às refeições, mas ainda temos que ensinar os outros", sublinha. Líderes de mercado do segmento cerâmico, e com negócios no sector imobiliário, hoteleiro e financeiro, a New Pearl decidiu há um ano dedicar-se à importação de vinhos. De França, de Itália, dos EUA, Nova Zelândia e Austrália, entre outros, mas não de Portugal. "Atuamos num segmento de mercado muito elevado, de luxo, e quando incluímos uma marca no nosso catálogo queremos exclusividade.

Um parceiro com história e com vinhos extraordinários", diz Andy Chang, convidado a liderar o negócio por ter vivido 20 anos em França. "Não queremos apenas vender, queremos ajudar a partilhar a cultura do vinho na China, que não existe", diz.

Quanto a Portugal, há que divulgar o país: "Não conhecemos a cultura nem a culinária portuguesa. Se vamos a um restaurante italiano ou francês, pedimos um vinho do país, mas não há restaurantes portugueses na China. Só conhecemos o ‘Porto'. Rita Jia, a organizadora da Interwine, concorda. "A China não consegue entender Portugal. Precisamos muito de educação e de branding, para promover o país. Queremos ajudar a mudar a perceção dos vinhos portugueses, mas isso tem que estar assente na promoção, intensa, da marca Portugal como país produtor de vinhos", frisa. Rita Jia apresentou ao Governo português um plano de branding e marketing para aumentar as exportações nacionais para 135 milhões já em 2020. Uma meta "ambiciosa" mas "exequível", garante.

"Organizamos roadshows anuais em 40 cidades chinesas através dos quais chegamos a 500 importadores e distribuidores locais", diz. E a própria Interwine tem vindo a crescer: em maio, os 1023 expositores ocuparam 30 mil metros quadrados de área de exposição e foram visitados por mais de 42 mil pessoas. O objetivo, em novembro, é chegar aos 1500 expositores. "Há 500 mil produtores de vinho no mundo. Não basta que venham 400 estrangeiros à Interwine, queremos que venham quatro mil", sublinha.

A Lusovini foi um dos expositores portugueses presentes: o grupo de Casimiro Gomes tem em Nelas a sua base logística, mas desde 2010 que tem vindo a abrir sucursais no exterior como forma de aproximação aos mercados. Além de Angola, Brasil, Moçambique e EUA, está agora a instalar-se na Ásia.

A estratégia da empresa, que tem uma faturação consolidada de 5,5 milhões de euros, dos quais 75% obtidos nos mercados externos, é a de crescer 15% ao ano nos próximos 15 anos.

A Lusovini Ásia tem sede em Macau e pretende abarcar os países da região. Mas fazendo muito trabalho de wine education ao consumidor final. "A primeira dificuldade é que a marca Portugal não existe fora da lusofonia, é totalmente desconhecida", diz Pedro Dourado, responsável de exportação do grupo.

Presente em 30 países em todo o mundo, a FWA - Fine Wine Aliance tem na China um dos seus principais mercados. "Está entre o primeiro e o segundo", diz Luís Melo. A FWA é uma jointventure de várias empresas que se associaram para trabalhar, "com mais eficiência e eficácia", os mercados internacionais. Inclui marcas como as quintas de Cottas ou da Fronteira, no Douro, a Quinta da Romeira em Bucelas, a Herdade da Farizoa, no Alentejo, a Casa de Santa Vitória, em Beja, e a Quinta de São Sebastião, em Arruda dos Vinhos. "As empresas portuguesas têm de olhar a China de forma muito profissional e a sério. É dos mercados emergentes importantes para Portugal com melhores taxas de crescimento e o consumo de vinhos no país está a explodir", frisa Luís Melo.

Há nove anos a exportar para a China, os vinhos Casal Branco, de Almeirim, têm neste mercado o seu terceiro destino fora de portas, que absorve já 28% das vendas. O que não significa que este seja um percurso fácil. "Os vinhos portugueses não são conhecidos. Ninguém sabe onde fica Pu Tao Ya [Portugal], temos de começar por explicar onde estamos para depois falar da região e, só depois, dos vinhos", diz Filipe Miranda.

O facto de se tratar de uma empresa com mais de 200 anos de tradição agrícola e que está na mesma família desde 1775, cujo brasão surge nas garrafas, é muito valorizado pelo mercado.

A Quinta da Alorna também tem a seu favor a sua história quase tricentenária. A empresa de Almeirim exporta para a China desde os anos 90 e o objetivo é que, já este ano, o mercado valha 25% das exportações.

Com uma produção anual de três milhões de garrafas, a empresa de fatura 2,5 milhões de euros, 40% dos quais no exterior. Edna Barbosa, da Comissão de Viticultura Regional do Tejo, reconhece que a China é "fundamental" para os vinhos da região, constando entre os sete mercados estratégicos, a par dos EUA, Brasil, Alemanha, Polónia e Reino Unido.

Além da Interwine, a região participa noutras feiras, como a Vinexpo, e organiza roadshows e provas em várias cidades.

 

Fonte: Dinheiro Vivo