O americano Matt Kramer, colunista da revista Wine Spectator (ver Fugas do passado dia 5), veio viver para Portugal, por considerar o
país o mais excitante do mundo em matéria de castas e vinhos. É uma
opinião isolada e emocional ou a declaração de amor corresponde a uma
corrente que começa a ganhar força na cena internacional?
As vendas, apesar de estarem a subir (cresceram 4% em 2013) ainda não reflectem nenhuma espécie de boom,
mas a imprensa internacional nunca foi tão encomiástica como agora. A
Fugas quis saber o que pensam algumas personalidades relevantes do vinho
português sobre o assunto. Se Portugal é mesmo o país mais excitante da
actualidade, o que falta para os vinhos portugueses ficarem na moda?
Luís Pato, produtor na Bairrada
"Isto é um pouco como o vinho campeão
do mundo, que só serve para chamar a atenção sobre o dito para os
consumidores que só olham para o que lhes dizem. Temos tido bons
exemplos em Portugal! Julgo que foi uma forma de o Matt Kramer chamar a
atenção para os vinhos de Portugal, sobretudo no seu país, onde o
desconhecimento dos mesmos é notório. No entanto, o mais importante é o
facto de os vinhos portugueses começarem a ser uma curiosidade devido às
suas castas serem diferentes das castas voadoras, algumas das quais até
já "aterraram" em Portugal, mesmo em regiões insuspeitas!
O facto de ele citar algumas das nossas
variedades é uma vitória para quem manteve firmeza no seu caminho de
diferenciação. Julgo que tem a ver com algum efeito do programa
educacional da Viniportugal nos EUA, junto dos melhores sommelliers (os sommelliers são o melhor veículo para a passagem da mensagem de diferenciação,
porque o seu trabalho é surpreender o seu cliente; e que melhores vinhos
para isso que os de castas portuguesas bem elaborados?). Nota-se no
mercado americano lato sensu (EUA e Canadá) uma enorme curiosidade sobre os vinhos portugueses, o
que na minha modesta opinião significa que começamos a surfar a onda.
Apenas dependerá de nós.
É importante continuar a política de
educação da nossa diferença (castas, solos, clima e pessoas) e,
portanto, da nossa capacidade de fazer vinhos de nicho e não cópias da
massificação sul-africana, chilena ou argentina e, num futuro próximo,
da chinesa. Será também importante que essa educação coloque as nossas
castas (Tourigas, Baga, Trincadeira, Castelão, Alvarinho, Arinto, Fernão
Pires, Encruzado, Bical, etc.) como originárias de Portugal, para que,
quando forem copiadas, nós sermos o termo de comparação, como são hoje
os châteaux e domaines franceses, os domínio espanhóis e os vigneto italianos (sobretudo os de Barolo, Barbaresco e Brunello, curiosamente sobre castas únicas)."
Raul Riba D'Ave, produtor, distribuidor e candidato a master of wine
"Portugal é seguramente um dos três
países mais excitantes, junto com a Itália e a França. A grande razão é
que os críticos internacionais, especialmente os dos Estados Unidos e da
Inglaterra, estão a ficar um pouco cansados da homogeneidade que os
vinhos começaram a mostrar nos últimos 15 anos, especialmente na faixa
média e baixa de preço, que representa 95% do consumo mundial. Como tal,
descobrir novos vinhos, que entusiasmem e que se encaixem neste patamar
de preços, é uma das funções naturais de um crítico internacional de
vinhos como o Matt Kramer.
Na verdade, Portugal é como descobrir
um brinquedo novo: inúmeras castas autóctones, regiões demarcadas
centenárias e climas diversos, para além de uma revolução enológica e
vitícola que nos últimos anos aumentou enormemente a qualidade dos
nossos vinhos. Mas o melhor de tudo é que, para além do vinho, há toda
uma cultura de que se pode falar, uma ligação fortíssima do vinho com as
nossas gentes (e que é preciso não deixar perder).
No programa para master of wine que frequento, ainda se fala muito pouco de Portugal (à excepção do
vinho do Porto e do vinho Madeira). Isto significa que o Institute of
Master of Wine, que é uma referência a criar/revelar tendências, ainda
não pôs definitivamente Portugal no mapa. Mas isto tende a mudar, pois a
crítica de vinhos Jancis Robinson, ela própria uma master of wine e uma das mais importantes figuras no mundo do vinho, tem
frequentemente elogiado - e muito - os vinhos portugueses. Estamos no
bom caminho, mas a concorrência de outros países é muito forte,
especialmente no tal segmento de preço médio.
O que há a fazer? A resposta é simples:
não interessa estar na moda, porque as modas passam. O que interessa é
ter um produto único e que tenha valor e que isso perdure no tempo. Tem
que ser positivo ter um vinho português na mesa em vez de um vinho
chileno, italiano ou francês. Para isso, é preciso preservar a nossa
identidade de castas, as nossas denominações de origem e a nossa
cultura. A cultura do vinho é importantíssima e muito valorizada pelos
consumidores. Isso é óptimo para Portugal e é um grande ponto a nosso
favor. É algo que é preciso promover sempre em conjunto com o produto,
pois é diferenciador.
Alguém que venha a Portugal tem que
"respirar" vinho. Alguém que prove vinho português tem que entender a
cultura que está por trás. Se não for isto, o que poderá ser? Há bons
vinhos em todo o mundo, mas vinhos com emoção, esses, contam-se pelos
dedos."
José Maria Soares Franco, produtor no Douro
"Penso que Portugal é um país
vitivinícola excitante. Tudo está em ebulição: as vinhas, as adegas os
enólogos, o que origina vinhos de elevada qualidade e diferentes. Esta
diferença é cada vez mais desejada pelos consumidores. Existem também
muitos e bons novos projectos que aumentam a credibilidade e interesse
pelo país. Os jornalistas da especialidade têm consciência disso e
procuram notícias que sejam importantes para os consumidores e nos
últimos 10 a 15 anos têm encontrado muitos, bons e diferentes vinhos em
Portugal.
Portugal é um país que os especialistas, o trade e a imprensa têm olhado com interesse crescente, mas para que os vinhos
portugueses fiquem na moda falta que sejam conhecidos. Que exista uma
imagem de Portugal (a maioria dos consumidores mundiais não sabem que
existe, nem onde fica...) e que exista interesse económico na
representação e distribuição dos nossos vinhos. Veja-se o nosso sucesso
nos mercados de monopólio que garantem estes aspectos (Canadá e alguns
países do Norte da Europa).
João Paulo Gouveia, produtor no Dão
"Portugal, devido à sua heterogeneidade
geográfica e climática e devido ao facto de ser o território com maior
variabilidade de castas, oferece ‘sensações' novas, como novos gostos e
aromas. A maioria das pessoas que no mundo consomem e apreciam vinho
estava habituada às castas ditas internacionais e após algum cansaço, e
devido à melhoria da qualidade dos vinhos portugueses, castas como a
Touriga Nacional e a Encruzado começaram a destacar-se no panorama
mundial. Daí que concorde com Matt Kramer. Nenhum outro país poderá
oferecer um conjunto tão vasto de boas diferenças, tanto no que respeita
ao perfil dos vinhos como na variedade de castas usadas.
Creio que vamos no bom caminho para
ficarmos na moda. A promoção externa e a consolidação de mercados é
muito importante. Seria também muito importante que o próprio turismo e
as missões empresariais directas e inversas "agarrassem" o vinho de uma
vez por todas. Parece-nos que o vinho poderá ser um instrumento
fundamental na dinamização e valorização de todo o território português.
Por outro lado, falta-nos uma clara aposta na investigação e na
experimentação - sem elas não conseguiremos manter a trajectória."
Rui Reguinga, produtor no Alentejo
"O potencial dos vinhos de Portugal
está a ser revelado e reconhecido internacionalmente, pelo facto de
termos uma grande diversidade de castas autóctones e de diferentes terroirs,
num país de pequena dimensão. Finalmente, os nossos enólogos começaram a
preferir as castas portuguesas às castas internacionais de moda, e
estamos a sentir uma oportunidade de entrar no mercado global de vinhos,
extremamente competitivo, graças a essa diversidade e às nossas vinhas
velhas.
Eu concordo que Portugal é o país
vinícola mais excitante da actualidade. O que falta aos vinhos
portugueses é reconhecimento e valorização do nosso potencial e
diversidade por parte do consumidor. Isso é o mais importante, pois não
nos vai chegar apenas o reconhecimento da critica internacional.
Necessitamos de mais eventos vínicos pelo mundo, e de preferência com
uma maior intervenção da Viniportugal junto dos consumidores."
Anselmo Mendes, produtor nos Vinhos Verdes
"Infelizmente, Portugal não é o país
mais excitante da actualidade, porque isso ainda não se reflectiu no
preço médio dos vinhos. Embora em Portugal façamos vinhos ao mais alto
nível mundial, raramente os conseguimos vender a pouco mais do que um
décimo dos preços de alguns vinhos mais excitantes do mundo. Nós
precisamos de mais vinhos com originalidade. É necessário que as
inúmeras regiões portuguesas de vinhos, através dos enólogos e
produtores, definam perfis de vinhos originais que retratem a terra de
onde provêm de uma forma natural e não caiam na tentação de imitar os
vinhos que têm sucesso efémero."
Fonte: Público
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