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O vinho português nunca teve uma montra assim
O primeiro Vinhos Portugueses no Rio, organizado pelo PÚBLICO e o jornal brasileiro O GLOBO, atraiu milhares de cariocas.

No Rio de Janeiro, a cidade do encantamento, há sempre algo de interessante a acontecer, mas com vinhos portugueses nunca se tinha visto nada igual ao que se viveu no passado fim-de-semana no imponente Palácio São Clemente, a residência oficial do cônsul de Portugal. Em apenas cinco meses, o PÚBLICO e o jornal brasileiro O GLOBO, com a parceria da Viniportugal, o patrocínio da loja gourmet Deli Delicia e o apoio do Azeite Gallo, ergueram um evento que juntou perto de 400 vinhos de 62 produtores nacionais e foi visitado por cerca de quatro mil pessoas. E seriam muitas mais se, por razões de segurança, a organização não fosse obrigada a restringir o número de acessos.

Nos três dias da mostra Vinhos de Portugal no Rio, as filas estenderam-se para bem longe dos portões do palácio. Houve pessoas que esperaram mais de duas horas para poder obter um ingresso. Algumas vieram de longe e nem mesmo a chuva que caiu durante o dia de sábado as demoveu de provar os vinhos portugueses. A procura foi tanta que o jornal O GLOBO se viu obrigado a publicar um comunicado alertando para a possibilidade de a espera ser superior a duas horas. No último dia, algumas centenas de pessoas dispuseram-se a esse sacrifício e, mesmo assim, não conseguiram entrar, por excesso de lotação. O Vinhos de Portugal no Rio foi criado a partir da "constatação de que o carioca cada vez mais consome e se interessa por vinho", como lembrava Sandra Sanches, directora-executiva de O GLOBO, num dos textos do suplemento especial publicado na abertura do encontro. Escrito por jornalistas das duas publicações, o suplemento traça um retrato do vinho português e foi distribuído pelos 200 mil assinantes d' O GLOBO, que fez uma cobertura diária do evento. O canal televisivo GLOBO News emitiu também uma ampla reportagem, alargando a repercussão do encontro a muitos milhões de brasileiros. O vinho português nunca foi tão falado como nestes três dias e, após o sucesso desta primeira parceria entre o PÚBLICO e O GLOBO, Marcelo Moraes, director-geral da Infoglobo, que detém o jornal O GLOBO, entre outras marcas, disse que espera que esta iniciativa conjunta entre para o calendário de eventos anuais da cidade e que se alargue também a São Paulo.

"O evento ultrapassou todas as nossas expectativas. Há cinco meses, quando levámos a ideia ao jornal O GLOBO, não podíamos imaginar a ‘febre' que iria provocar no último fim-de-semana no Rio. Já estamos a estudar como poderemos ampliar o evento para atender toda a gente no próximo ano", exultava Simone Duarte, directora adjunta do PÚBLICO. "Tanto a parceria com o PÚBLICO quanto o belo cenário do Palácio de São Clemente, contando com a receptividade do cônsul de Portugal, Nuno Bello, foram determinantes", sublinhou, por seu lado, Cláudia Lobo, coordenadora de ações de marketing d' O GLOBO.

Jorge Monteiro, o presidente da Viniportugal (associação de promoção do vinho português), não arredou pé do Palácio São Clemente e também faz um balanço muito positivo da iniciativa. "Para um primeiro evento entre parceiros que não se conheciam, foi extraordinário. Quer pelo número de participantes e pelo seu entusiasmo - via-se que era gente que gosta de vinho -, quer pelo nível de participação nos seminários e nas provas, quer ainda pelo impacto mediático. Os produtores estavam muito contentes. Sentiram que valeu a pena." Luís Pato, o produtor português com maior exposição no Brasil, "já adivinhava" o sucesso da iniciativa. "Quando me pediram a opinião sobre o apoio da Viniportugal [Pato é vice-presidente desta associação de promoção do vinho português], imaginei uma coisa assim", confessou no final.

André Grimberg, proprietário da Bergut, uma das garrafeiras mais renomadas do Rio de Janeiro, tem uma explicação para o que aconteceu: "Os cariocas estão ávidos de tudo o que é português." Só a Casa das Natas (uma pequena fábrica aberta há pouco tempo no Rio por um engenheiro informático do Minho) forneceu durante os três dias do encontro mais de dois mil pastéis de nata à Deli Delicia - que montou no Palácio São Clemente dois espaços de venda de vinhos, queijos e outros produtos portugueses.

A troco de 50 reais (cerca de 16 euros) - menos do que custa num restaurante brasileiro um vinho português de gama baixa -, os cariocas tinham direito a um copo inteligente desenvolvido pela empresa portuguesa Adegga, responsável pela logística dos vinhos no evento. Graças a um chip colocado na base do copo, o visitante recebe em casa por email toda a informação relevante sobre os vinhos que provou. A entrada dava direito ainda a provar vinhos de todas as regiões portuguesas, muitos dos quais chegam ao Brasil a preços proibitivos para o cidadão comum, e assistir aos seminários, provas de vinhos e harmonizações realizadas por críticos dos dois jornais e também por convidados como Guilherme Rodrigues (advogado de Curitiba que é um dos grandes conhecedores e embaixadores do vinho do Porto no Brasil) e Dirceu Vianna Júnior (o único master of wine de língua portuguesa, radicado há mais de 15 anos em Londres).

Curiosidade pela "terrinha"

Em qualquer feira de vinhos, a média de permanência dos visitantes não ultrapassa as duas horas. No Vinhos de Portugal no Rio superou largamente as três horas. Inúmeros visitantes ficaram no palácio do primeiro ao último minuto. Muitos, de tanto beberem, saíram já com dificuldade. Mas o extraordinário é que alguns dos que provaram mais do que a conta eram homens e mulheres idosas com ar respeitável e até abastado. Por trás do visitante anónimo que enchia os produtores de interrogações sobre a composição do vinho ou a sua origem escondia-se, com frequência, um médico, um promotor público, o proprietário de uma grande empresa ou um homem das letras famoso, como foi o caso do jornalista e escritor Zuenir Ventura. À saída, seguindo o exemplo de muitos outros, Zuenir Ventura comprou um tinto do Douro, o Duorum 2010, sugerido por nós a seu pedido. O pedido de conselhos para a compra de vinhos foi, aliás, uma constante do encontro. Um ex-jornalista do GLOBO pediu um branco e um tinto, fixando um tecto generoso. "Pode ser até 300 reais (100 euros)".

O evento foi organizado de modo a permitir aos visitantes um primeiro contacto mais didáctico com o vinho português através de provas e seminários (sempre esgotados) nas deslumbrantes salas do Palácio São Clemente que antecedem o acesso aos jardins onde foi montada a tenda para os expositores. Quando chegavam à tenda, os participantes já iam com algumas referências e também com uma maior curiosidade em provar os vinhos e conhecer os seus criadores, sobretudo os dos tintos, que continuam a ser os vinhos preferidos dos cariocas, apesar do clima quente do Rio. Mas as reacções de espanto e admiração observadas nas provas perante a qualidade dos brancos apresentados sugerem que pode estar a ocorrer uma inversão dessa tendência. André Grimberg nota uma maior procura de vinhos brancos portugueses na sua loja e essa procura só não é maior porque o consumidor brasileiro "ainda associa o vinho branco português a um vinho muito ácido e sem graça" (herança do mau vinho verde).

Eventos como o Vinhos Portugueses no Rio e a sua associação a um edifício com a nobreza do Palácio São Clemente podem ajudar a combater esse estigma e a reforçar a imagem geral do vinho português. Ainda mais agora que os cariocas parecem estar cansados dos vinhos argentinos - em queda acentuada - e mostram cada vez mais interesse por tudo o que se relaciona com a "terrinha", como carinhosamente se referem a Portugal. Há cada vez mais brasileiros a visitar Portugal tendo como pretexto principal os vinhos e a gastronomia. Uma das modalidades em crescimento é, aliás, a organização de viagens com clientes por parte das melhores garrafeiras. O evento no Rio aumentou ainda mais esse interesse. Alguns cariocas que passaram pelo Palácio São Clemente ficaram tão entusiasmados e surpreendidos com os vinhos portugueses que deixaram viagens agendadas já para os próximos meses.

A inédita parceria entre o PÚBLICO e O GLOBO não teve apenas o mérito de ajudar a promover os vinhos portugueses no Rio de Janeiro e, indirectamente, pelo seu impacto mediático, em todo o Brasil. Mostrou também uma faceta mais moderna e desenvolvida de Portugal e, como se viu, pode ter ajudado ainda a atrair mais turistas brasileiros pela via dos aromas complexos dos Madeira e dos Porto, do perfume e da frescura dos brancos de Alvarinho, Arinto ou Encruzado e da riqueza, sapidez e singularidade dos tintos de Touriga Nacional, Baga ou Alicante Bouschet, só para citarmos algumas das 250 castas existentes no país.

 

 

Fonte: Público